QUANDO  SÓ INTERESSA PARECER E NÃO… SER

O juiz Robert Bright, de um tribunal comercial britânico, decidiu hoje pelo congelamento de cerca de 580 milhões de libras (670 milhões de euros) controlados pela empresária angolana Isabel dos Santos, num processo movido contra a Unitel International Holdings. Segundo este juiz, “parece haver um argumento a favor do congelamento”. E, tal como acontece em Angola com o MPLA, se parece… é.

Segundo argumentou o juiz Robert Bright na decisão hoje publicada pelo Supremo Tribunal Comercial britânico, “não vejo uma base óbvia pela qual os activos de Isabel dos Santos devam ser protegidos nesta jurisdição; parece haver um argumento óbvio a favor de um congelamento mundial dos seus bens”.

Se fizer jurisprudência nos tribunais britânicos, “o que parece passa a ser”. Exemplificando, se um burro pintado às riscas parece uma zebra, então o burro passa a ser uma zebra. Nada mal.

Em causa está o processo movido pela Unitel (fundada por Isabel dos Santos), agora controlada pelo Estado angolano (o MPLA), contra a Unitel International Holdings BV, com sede nos Países Baixos, e contra a empresária Isabel dos Santos, que pedia o congelamento de 580 milhões de libras, o equivalente a 670 milhões de euros ao câmbio actual.

Na decisão, o juiz afirma que é “altamente desejável que Isabel dos Santos seja obrigada a declarar os seus activos, em circunstâncias em que a Unitel não sabe quais, se alguns, activos são detidos por ela e não estão cobertos pelas ordens de arresto ou congelamento que já estão em vigor”.

Assim, conclui, não aceita “o princípio de que as outras ordens de congelamento de bens significam que não é justo nem conveniente para este tribunal decidir por mais uma ordem”, como defendido pela empresária, que se diz vítima de uma “campanha opressiva”.

A decisão do tribunal londrino surge na sequência de um conjunto de acções movidas pelo MPLA/João Lourenço e por empresas públicas e privadas contra a empresária desde que João Lourenço tomou posse como Presidente de Angola, em 2017, numa escolha pessoal do pai de Isabel dos Santos (José Eduardo dos Santos) de quem foi, aliás, ministro da Defesa, e que incluíram também outros membros da família de José Eduardo dos Santos, que governou Angola durante quase 38 anos.

O Tribunal Supremo (TS) angolano – conhecida sucursal do MPLA – determinou em Dezembro do ano passado o arresto preventivo dos bens da empresária Isabel dos Santos, avaliados em mil milhões de dólares (cerca de 930 mil milhões de euros), nomeadamente 100% das empresas Unitel T+, em Cabo Verde, e Unitel STP SARL, em São Tomé e Príncipe, de que a filha do antigo Presidente de Angola José Eduardo dos Santos era beneficiária efectiva.

Segundo o despacho, entre outras acusações, Isabel dos Santos “fez ainda transferir quantias da Unitel SA para a entidade Unitel International Holdings BV, sociedade com sede nos Países Baixos, constituída em 04/05/2012 e controlada pela própria Isabel dos Santos, sua única beneficiária efectiva”.

Com efeito, entre 8 de Maio de 2012 e 28 de Agosto de 2013, refere-se na nota, foram celebrados sete contratos de financiamento entre a Unitel SA e a Unitel International Holdings BV, através dos quais a primeira emprestou à segunda o valor total de 322.979.711,00 euros e 43.000.000,00 de dólares, montantes que a empresa beneficiária “se obrigou a restituir no prazo de 10 anos”.

Tais empréstimos, “em que Isabel dos Santos assinou os referidos contratos de financiamento, na simultânea qualidade de legal representante de ambas empresas”, permitiram à Unitel International Holdings BV a aquisição de participações sociais ou a constituição de sociedades no sector das telecomunicações em Portugal, Cabo Verde (Unitel T+) e São Tomé e Príncipe (Unitel STP, SARL)”, conclui-se no despacho.

PARECER PASSA A SIGNIFICAR… SER

Isabel dos Santos é visada, em Angola, em processos criminais e cíveis em que o Estado/MPLA reclama mais de cinco mil milhões de dólares (4,4 mil milhões de euros). A empresária viu também as suas contas bancárias e participações sociais serem arrestadas em Portugal e em Angola.

Isabel dos Santos tem sempre afirmado a sua inocência, acusando a (suposta) justiça angolana de forjar provas, e diz ser vítima de perseguição política.

Recorde-se que Isabel dos Santos acusou em Maio de 2020 Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificado, com assinatura do mestre do kung-fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee.

Segundo um comunicado da empresária, o Estado angolano terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiramente falsificado, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros “sinais de falsificação”.

“Os factos e imagens falam por si. A verdade hoje chega ao de cima sobre o fraudulento processo de arresto, baseado em provas forjadas e falsificações. Contra factos não há argumentos. Um “Passaporte Falso” foi dado pelo Tribunal como sendo meu”, afirmou Isabel dos Santos. Não era de Isabel dos Santos, mas… parecia.

O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procuradoria-Geral da República de Angola para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalmente exportar capitais para o Japão, alegou a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e alvo a “abater” na suposta luta contra a corrupção encetada por João Lourenço.

A empresária acusou a PGR que desde sempre foi uma sucursal do MPLA e não um organismo independente ao serviço de Angola, de fazer uma “utilização fraudulenta do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresarial e apela à justiça portuguesa, que decidiu cooperar servil e cegamente com o MPLA, e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, “reavaliar estas execuções às cegas”.

Independentemente das teses da PGR angolana e de Isabel dos Santos, parece cada vez ais claro que todo o processo, para além de mostrar que os seus pés de barro estão a desmoronar-se, é um acerto de contas mal feito e politicamente letal para as partes envolvidas. E se parece…

“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os activos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o EuroBic ou a Efacec, é fundamental para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicidade das autoridades políticas e regulatórias portuguesas”, afirmou na altura João Paulo Batalha, presidente da direcção da Associação Cívica Integridade e Transparência, no dia 15 de Abril de 2020 à DW, comentando a decisão da justiça portuguesa, tomada em Março, de congelar as participações da filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em empresas como a NOS e Efacec.

Para João Paulo Batalha, este era um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em Janeiro deste ano, as autoridades angolanas solicitaram a colaboração da justiça portuguesa para o arresto das participações que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonial de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,15 milhões de euros).

Certo é que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrumentalizada pela PGR de Angola.

Em Abril de 2020, a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controlava a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustificáveis” às empresas portuguesas e estar a usar indevidamente a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporcionais”.

Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salientou na altura que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos (1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesas e angolanas, solicitando medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.

Como exemplo, a Winterfell lembra que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo-as de operar e forçando a sua insolvência, levando ao despedimento de uma centena de trabalhadores”, situação agravada pela crise decorrente da pandemia de Covid-19.

A PGR angolana dá passos maiores do que a perna e não sabe como é que há-de descalçar a bota e nem repara que está descalça… E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que ela não consegue fazer.

O próprio processo movido contra Isabel dos Santos é um processo juridicamente mal feito e que politicamente tenta mostrar uma realidade que, de facto, não corresponde aos factos. Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana.

João Paulo Batalha nas declarações à DW mostrou-se esperançado que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos activos desviados, mas considera também fundamental investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecimento e de branqueamento de capitais que eventualmente lhe são imputados, respectivamente em Angola e Portugal. O presidente da Integridade e Transparência considerou que a justiça portuguesa continuava a agir de forma tímida e pedia mais investigação sobre as cumplicidades políticas e económicas que permitiram à filha primogénita de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património.

Em causa, afirmou, estavam “as responsabilidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelmente activa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconhecida e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita.

Recorde-se que, na mesma altura, a plataforma Projecto de Investigação ao Crime Organizado e Corrupção (OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamente associadas a Isabel dos Santos.

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